terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Florianópolis: Casarão no Campeche vai preservar memória da Aéropostale e de Saint-Exupéry

Imóvel que sediou base da Companhia Aéropostale, empresa na qual trabalhou o piloto e escritor Antoine de Saint-Exupéry, será restaurado para abrigar um centro cultural no Campeche

O casarão onde funcionou a base da Compagnie Génerale Aéropostale, empresa de correio aéreo na qual trabalhou o piloto e escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, será revitalizado no Campeche. A autorização permitindo a restauração do imóvel sem restrições foi entregue pelo superintendente do Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Dalmo Vieira, ao superintendente da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, na sexta-feira(27), durante encontro que contou com a presença de Olivier D’Agay, sobrinho-neto de Saint-Exupéry.
De acordo com o superintendente do Iphan, a recuperação do casarão de pilotos vai materializar as relações franco-brasileiras fortalecendo os laços existentes entre os dois países desde o período colonial. “Os franceses estiveram em todos os lugares do Brasil, inclusive em Santa Catarina. Eles foram responsáveis por uma revolução no pensamento da arquitetura brasileira. Esse projeto pode esperar todo o apoio do Iphan”, garantiu Dalmo Vieira, ressaltando que a autorização já foi encaminhada a Brasília, para viabilizar a captação de recursos para a obra via Lei Rouanet, do Ministério da Cultura (MinC).
Olivier D’Agay (Na foto, da esquerda para direita: Monica Cristina Correa, Olivier D'Agay e Roseli) veio pela primeira vez à capital catarinense para conhecer o campo de pouso (aeródromo) e o casarão dos pilotos, chamado de Popote – locais que abrigaram a base da Aéropostale, entre as décadas de 1920 e 1930, quando a empresa mantinha escala no sul da Ilha de Santa Catarina. “Este projeto é muito importante porque está vinculado a uma ação internacional unindo Florianópolis a outras cidades-escala da Europa, África e América do Sul. Ele está ligado não só à memória da Aéropostale como também de Saint-Exupéry”, explicou o diretor da instituição que administra as ações culturais e comerciais associadas à imagem do piloto francês.

Parceria

Durante a permanência em Florianópolis, D’Agay visitou a exposição “O Aviador e O Pescador”, viabilizada com recursos da Succession Saint-Exupéry. A mostra fica aberta à visitação pública até dia 12 de fevereiro, no Museu Histórico de Santa Catarina, no Centro, e depois segue em
itinerância por vários municípios do estado com apoio da Fundação Catarinense de Cultura. D’Agay conheceu também as instalações da Escola Municipal Brigadeiro Eduardo Gomes, situada ao lado do casarão Popote, no Campeche. No local, a Fondation Saint-Exupéry estuda a possibilidade de oferecer formação extracurricular em francês voltada a crianças e jovens estudantes. O curso seria financiado pela instituição e ministrado em parceria com a Aliança
Francesa de Florianópolis e Secretaria Municipal de Educação. Os jovens formados poderão, ao final do curso, obter o diploma elementar de Língua Francesa (DELF e DELF júnior), reconhecido pela União Europeia e os que obtiverem melhores resultados realizarão uma viagem ao país de Saint-Exupéry. “Essa relação com a França é muito interessante porque é algo que vai beneficiar tanto a cultura quanto a educação. Quem ganha é Florianópolis”, ressaltou o superintendente Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, que é também secretário municipal de Educação. “A vinda de Olivier D’Agay mostra que todo este projeto alcançou credibilidade internacional, complementa a pesquisadora Mônica Cristina Correa idealizadora da proposta de restauro do casarão para preservação da memória da Aéropostale em Florianópolis.

Tombamento Universal

A exposição itinerante e a restauração do casarão Popote colocam Florianópolis em consonância com um movimento internacional que visa preservar e divulgar a história da rota intercontinental mantida pelo correio aéreo francês no início do século 20. Para isso, aconteceu recentemente em Toulouse, na França, um encontro reunindo representantes das 26 cidades de três continentes que tiveram escalas da companhia. No evento, foi criada a Rede de Cidades da Aeropostal, com a formalização de um acordo de parceria para reforçar as trocas culturais, econômicas e comerciais entre as cidades-escala, incluindo Florianópolis, que foi representada pela Fundação Franklin Cascaes. O objetivo da rede é classificar a “Ligne” como patrimônio da humanidade junto à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). O acordo prevê que as cidades-escala atuem em sinergia com os herdeiros dos pilotos da Aéropostale e associações que trabalham pela memória desta epopeia aérea. As ações propostas incluem a criação de espaços de memória nas cidades-escala; realização de exposições itinerantes, debates, conferências e eventos culturais sobre o tema; além de organização de encontros anuais para fortalecimento do intercâmbio entre as cidades da rota. A “Ligne” iniciava na França e passava pela Espanha, no continente europeu, depois seguia pelo norte da África até chegar à América do Sul, incluindo escalas no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile.

De Saint-Exupéry a Zeperri

A Compagnie Génerale Aéropostale foi pioneira no serviço de correio aéreo entre a Europa, África e América do Sul, contando com o trabalho de pilotos veteranos da Primeira Guerra Mundial que romperam as fronteiras entre os continentes. A importância da empresa para o desenvolvimento da aviação internacional, aliada à grandiosidade dos feitos dos pilotos, que
arriscavam suas vidas nos primórdios da aviação, ganhou mais visibilidade pela obra de um deles, que também foi escritor: Antoine de Saint-Exupéry, autor do livro “O Pequeno Príncipe’, entre outros sucessos editoriais.
Das 11 escalas da Aéropostale no Brasil, a de Florianópolis, na região do Campeche, está entre as mais bem conservadas do mundo. A comunidade foi palco de várias aventuras dos aviadores da Companhia entre as décadas de 1920 e 1930, guardando traços da inusitada convivência dos pilotos franceses com pescadores ilhéus. Os ases da pilotagem, tais como Jean Mermoz, Henri Guillaumet, Saint-Exupéry e outros, tiveram passagens pela Ilha de Santa Catarina registradas aleatoriamente, mas eternizadas em livros, como as memórias de Paul Vachet, em “Avant les Jets” (1964), onde o autor conta sobre a compra do terreno de aviação e a relação com os “compadres” catarinenses.
O próprio Saint-Exupéry menciona Florianópolis no livro “Vôo Noturno” (1931). Ele, que foi o mais célebre dos pilotos, ficou conhecido pelos pescadores como “Zeperri” – devido à dificuldade que os moradores, descendentes de açorianos, tinham de pronunciar o sobrenome do francês. Entre as relações do escritor com o Campeche, uma tornou-se especial. Manoel Rafael Inácio, o “seo” Deca, guardou na lembrança as passagens do piloto pela região. A memória dessa amizade virou um livro, escrito por Getúlio Inácio, filho do pescador. Também inspirou o documentário “De Saint-Exupéry a Zeperri”, produzido pela pesquisadora Mônica Cristina Corrêa.

Pilotos e pescadores

O projeto de restauro da Popote, no Campeche, idealizado por Mônica Corrêa, foi aprovado pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf) e pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/SC). O financiamento da obra deverá contar com recursos da iniciativa privada, por meio da Lei Rouanet de incentivo à cultura, via Ministério da Cultura (MinC). Pela proposta, o antigo casarão dos pilotos, cujo imóvel é de propriedade da Prefeitura de Florianópolis, será restaurado e transformado em um espaço cultural, abrigando o “Memorial Pilotos e Pescadores Antoine de Saint-Exupéry”. No local haverá uma área destinada à memória da antiga companhia de aviação francesa e sua relação com o Brasil, com exposições permanentes e temporárias, além de salas para cursos, palestras, exibição de filmes, e outras atividades de uso comunitário. O restauro visa registrar a memória do Casarão dos Pilotos, e valorizar sua relação com a história do bairro e a cultura da cidade. Depois de restaurado, o imóvel deve ser administrado pela Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes.

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